segunda-feira, 22 de abril de 2013

Agiotagem


                        

Os princípios basilares de qualquer país atravessam, transversalmente, os mais elementares preceitos e normas de vida em sociedade e da preservação dos direitos humanos. 

Qualquer cartilha constitucional, de qualquer país, segue, na essência, as mesmas doutrinas filosóficas e sociais. 

Nunca se viu uma ditadura que, na boca dos seus dirigentes, não seja a mais pura das democracias. 

Passando do plano teórico e retórico ao prático e real, vemos que as noções básicas e nobres, que sempre caracterizaram os portugueses e outros povos, tais como a simplicidade, honradez e dignidade, a par do humanismo, bom senso e lucidez, estão a ser trocadas, menosprezadas e até achincalhadas. 

Os dirigentes e candidatos a qualquer coisa, aceitam, com aparente plena tranquilidade de consciência, que o futuro do filho do operário será diferente do do filho do quadro superior, ou do endinheirado. 

A diferenciação dos cuidados médicos, educação, enquadramento social, preparação académica e profissional, com curso superior garantido, mesmo que seja pelo dinheiro da família. 

Mantêm-se, em Portugal, quase quarenta anos após a criação das grandes esperanças, a inércia e o poder; na essência, o “status quo”, que garanta a estabilidade social. 

A agiotagem prolifera numa sociedade cada vez mais fechada. 

Os negócios escuros, ou não completamente claros, movimentam um submundo, desprezível do ponto de vista ideológico mas, economicamente, condicionador de grande fatia da economia global. 

A tradicional “cunha” está aí, para lavar e durar. 

A enorme mole de funcionários públicos já não tem caracterização condigna, está a ser implacavelmente substituída por quadros técnicos, e deixados os resistentes entregues a si próprios, em muitos casos, de esquema em esquema, de avaliação em avaliação, até que surja um ponto de arrumação. 

Os pilares básicos da ordem social, nomeadamente a família, são ignorados, ou atacados. 

As acções de educação e alfabetização de adultos e apoio a reformados e inválidos, são atropeladas por apoio a tóxico-dependentes, criminosos e marginais e pelo controlo de grupos com capacidade de intervenção política e peso eleitoral. 

Surgem então os eternos candidatos a qualquer coisa, sob a forma de subsídio, emprego – não confundir com trabalho –, cargo político, administrativo, governamental. 

Depois vêm os que detendo qualquer influência – ou tal fazendo crer –, estão sempre dispostos a ajudar quem precisa, a conseguir isto ou aquilo, a furar os esquemas da burocracia…

A troco de… 

A agiotagem chegou aos sindicatos, talvez melhor dizendo aos sindicalistas, que vão ao despudor de cobrar, aos trabalhadores, altas percentagens das indemnizações, por extinção de postos de trabalho, em empresas extintas.

(Escrito há meia dúzia de anos)

sexta-feira, 12 de abril de 2013

“Politólogos…”





Sempre nos ensinaram, e nós próprios também o fizemos, que somos um País, o mais antigo da Europa com fronteiras estabilizadas, etc. 

Recentemente, um daqueles doutos comentadores, que agora se intitulam de “politólogos” – e perdoem-nos os linguistas, mas não encontramos justificação para o neologismo –, dizia, em tom de catedrático, que a nossa crise de identidade já vem de longe. 

Ora aqui surge a primeira dúvida: O que é, para o douto orador, identidade

Muitos destes fazedores de crónicas, não por culpa própria da sua ignorância, mas talvez por não terem aprendido em tempo oportuno, pouco sabem de História de Portugal. 

Caso contrário, honrariam e sentir-se-iam honrados pelo facto de serem portugueses. De pertencerem a uma Nação a que não faltam atributos de identidade. 

Fizemos, como povo, nos quase dez séculos de vivência, muitas coisas boas e, também, algumas más. 

Soubemos impor-nos como nação; tivemos, por vezes, dificuldade em afirmar-nos como país. 

Alargámos e expandimos a cultura nacional; fomos incapazes de implantar essa cultura nos territórios colonizados. Mas, até isso, pode justificar-se, se atentarmos na enormíssima desproporção do colonizador face ao colonizado. 

À custa de repetir, acabámos por interiorizar que somos um país pequeno, pobre e de fracos recursos, etc., etc. 

Mais pequeno e mais pobre era nos séculos XV e XVI e os Portugueses desse tempo acabaram criando um vastíssimo império. 

Isso é outra História, dirão alguns oradores de agora. Mas, estão desatentos: Isso é a nossa História! 

Não alinho pelos que se põem em bicos de pés para aparecer na televisão; não pactuo com os princípios dos que empurram esses agiotas para lançarem e testarem ideias; não aceito os que pagam aos fotógrafos os enquadramentos que depois usam como força e empenho nas causas de proveito próprio – sejam elas económicas, políticas, ou sociais –. 

Os “politólogos” saberão explicar, melhor do que eu, o que se alcança com foto-montagens, tele-arranjos e político-conveniências. 

Mas, nunca vi nenhum desses eruditos paladinos da nossa felicidade desmascarar essas artes e embustes que visam enganar, para proveito próprio, ou de outrem, aqueles que só têm como resposta, de tempos a tempos, um rectângulo de papel, onde põem umas cruzinhas e, depois, metem na urna de votos. 

Vemos a facilidade com que o “branco” do discurso de um candidato passa a “cinzento” na campanha e vai escurecendo após a eleição. 

Será isto que estudam os “politólogos”? 

Mas então porque caem no esquecimento, ou na ignorância, tantas atrocidades, sobejamente conhecidas desses especialistas e lesivas do interesse de todos nós? 

Será isso, também, outra História?!... 

Saberão eles completar o velho aforismo: Adeus Mundo, cada vez….!

Nota: Escrito há cerca de uma década (2004)


segunda-feira, 1 de abril de 2013

O carteirista




Fui abordado, delicadamente, por três indivíduos, bem vestidos, um com o casaco no braço, outro com um Jornal Desportivo na mão e um terceiro com uma bolsa de cabedal. 

Apesar de longínquo, passou por mim um sentimento de que se tratava de alguém velho conhecido e prestei atenção ao grupo. 

Não tardou o da bolsa de cabedal a adiantar-se, dizendo: 

É o senhor professor Valente, o director da escola 10, da Costa do Castelo, não é? 

Num impulso apontei o do jornal e exclamei: tu és o A… China; E vocês, são os irmãos R…M…, primos dele. (Não especifico os nomes, como é óbvio). 

Um abraço a cada um e o meu convite para irmos tomar um café.

Declinado o convite, por razões de “serviço”, ficou o da bolsa e os outros dois seguiram no próximo combóio, na direcção Oriente. 

Eu, sem grande pressa, fui com o S…, tomar um café e matar saudades com mais de quarenta anos. 

Foi então que fui informado que os três estavam a “trabalhar”, no Metro, onde eram “carteiros”, ou “chouriços”, como se queira. 

Mas o S… era “Supervisor” e trazia, naquela altura, três pares a “praticar golfe”

Quer isto dizer, sr. Professor, que somos carteiristas profissionais; eu sou chefe e controlo três equipas, sendo uma, o meu irmão e o primo. 

Palavra puxa conversa e lá fiquei a saber que um “par” tem, no mínimo, dois “chouriços, ou choros”: o “carteiro e o namorado” – carteirista que ajuda durante o trabalho. 

Quando uma carteira é tirada, o carteiro não fica com ela; passa-a, imediatamente ao namorado. 

Assim, mesmo que o próprio, ou algum mirone, acuse o carteiro, ele já não tem a carteira e não pode ser incriminado. 

Até se faz de vítima inocente, se não estiver a polícia por perto. Se não há que disfarçar e emigrar, pois eles conhecem-nos bem. Temos todos ficha actualizada na Polícia. 

Eu sou também o encarregado da preparação e treino dos novos carteiros. 

Temos sindicato e normas; preparamos o pessoal, treinamos a “puxada no robot” e só mandamos para os “fatios”, seja pela sé, castelo ou outros locais com muitos “guiros”, os carteiros capazes

Estádios e espectáculos também pagam bem. 

Fatios são os locais muito frequentados e Guiros são os turistas. 

Tudo é praticado, desde a técnica de dedos para fazer bem a “puxada”, em casos especiais fazer a sangria e se o cabedal estiver no porão, pode entrar em acção o “chino” – corte do bolso para fazer a carteira cair nos “garfos”- mãos do carteiro. 

Depois há normas rigorosas: não “chibar” , não perder a calma, não estragar materiais ou documentos, respeitar as ordens dos chefes. 

A articulação do pessoal é fundamental para baralhar as autoridades; podem actuar em Lisboa e no Algarve, no mesmo dia. 

Podem vestir uma roupa, de manhã e outra de tarde, mudar várias vezes de transporte,etc. 

Olhe, se um dia for aliviado, telefone-me e veremos o que se pode fazer!... 

Um abraço. Às vezes ainda falamos de si lá no nosso Bairro, pois continuamos todos a frequentar a Mouraria.