quinta-feira, 23 de abril de 2015

Aguadouro do avô


Esta imagem, encontrada há dias, na Internet, trouxe-me à memória uma conversa com o meu avô, lá pelos anos cinquenta, do século passado.

Havia duas situações em que se usava o aguadouro: Quando o terreno a regar se situava a nível superior à levada da água, ou para certas plantas onde este tipo de rega era recomendado (por exemplo os alfobres das couces, tomates, cebolas, alfaces, etc.).

Por uma prisão da água, fazia-se uma pequena poça e, com o aguadouro, que o meu avô pronunciava “ogadouro”, lançava-se a água sobre as plantas, em vez de deixá-la correr por cima da terra para dentro das belgas (pequenos tanques). Aplicava-se, por vezes, no feijão-verde, nalgumas couves, alfaces e almeirões e, dum modo geral, nos alfobres, ditos “canteiros” lá na terra, que são os viveiros de plantas hortícolas para fazer transplantações, em produções definitivas.

Como este tipo de rega era trabalhoso, usava-se o artifício que mais tarde se veio a generalizar nas culturas intensivas: cobria-se o terreno da cultura com palha, juncos, fetos, ou caniços, cortados nas ribeiras, ou valados, junto das hortas onde eram aplicados. Eram precisas menos regas.

Até aqui tudo bem; eram as explicações que eu solicitava ou que, por antecipação, meu pai e meu avô me faziam, quando vinham a propósito. Atribuo a estes pequenos episódios, uma das causas que deram origem à minha curiosidade habitual.

Dizia o meu avô: “com certeza, não vão ser estas as canetas que vais usar, mas vais encontrar muitos doutores que não conhecem estas coisas e uma coisa é certa: o saber não ocupa lugar, mas se não se souber, esses lugares ficam vazios, ficam ocos e isso nota-se”.

Recordo ainda que, mais o meu avô que o meu pai, correspondiam, dentro das suas limitações, às minhas perguntas e, inteligentemente, aproveitavam para ensinar o que era suposto não saberem, dada a sua condição de iletrados. Nunca os considerei analfabetos, para além da impossibilidade que tinham de não saber ler e escrever.

Faziam as contas à sua maneira, tomavam notas com os seus sinais, assinavam compromissos com a sua palavra, liam as necessidades do trabalho com a sua experiência e… romperam com toda a carga genética e atávica de aceitarem resignadamente o futuro dos netos e filhos, afirmando: serão, não o que trazem do berço, como nós e todos os que antes de nós trouxeram, mas o que a vida lhes puder dar.

Um dia, num negócio de venda de pinhal, meu pai pediu a minha opinião e, fazendo questão de justificar essa atitude, explicou: aqui o meu filho anda ainda há pouco tempo no colégio, mas já não se fica pelas perguntas; a partir de agora também passa a respostas. Não leve a mal, senhor Aparício..


O madeireiro apenas disse: parabéns, amigo Valente, viu que quem conduziu todo o negócio foi o meu filho? Apreciei a sua atitude e tenho a certeza que nunca se arrependerá. Força rapaz; a vida é tua!...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Parte de leão



Não vamos pronunciar-nos sobre Direito Contratual, antes vamos analisar o significado de expressões correntes; “contrato leonino” e “parte de leão” e a origem dessas designações.

O quadro, reproduzido ao lado, intitulado “O leão e outros animais”, editado em Londres em 1687, por Francis Barlow, ilustra uma das fábulas de Esopo e Fedro, que, na tradução de Fernando Leal, diz:


Fábula: O leão e os outros animais.

«Uma ovelha, uma cabra e uma novilha trataram com um leão fazer igual partilha da caça que apanhassem no sertão.

Um veado caiu no laço que lhe armou a cabra esperta.

Mandou ela chamar os associados: veio o leão, rugiu, fez do preso animal quatro bocados e disse:

“A conta é certa; pertence-me o primeiro por me chamar leão; o segundo quinhão, por ser forte, o terceiro também, por ser valente. E, se alguém tocar no quarto, dá-me um banquete mais farto, prova-me as garras e o dente”».

Todos nós, somos parte de inúmeros contratos de que nem sequer nos apercebemos: com os nossos fornecedores de bens essenciais, com as empresas a quem encomendamos qualquer serviço, com os vendedores de tudo o que compramos, etc. etc.. Por certo, presumem sempre esses contratos a defesa das partes contratuais e o respeito de um conjunto de princípios estipulados nas leis que, como é óbvio, o comum dos cidadãos ignora.

Ignorar não significa, contudo, acreditar ou aceitar, independentemente de submeter-se. Porém, acabado de assinar um contrato, logo a esmagadora maioria dirá: percebi o conteúdo do contrato, só que aquelas letrinhas miudinhas que sempre acompanham as apólices e que usam termos de significado não conhecido do público em geral…

E, maiores são as suspeições dos contratos que são feitos pelas entidades públicas em que os interesses do Estado, entenda-se daquilo que todos nós teremos que custear se houver penalização ou prejuízo, nem sempre são defendidos. E depois, quando ouvimos falar dos muito propalados “contratos leoninos”, nos arrepiamos ao ler ou escutar que uma obra adjudicada por X, acabou por ser paga por n vezes X. Só temos o conforto de isso ser pago por muitos, como se costuma dizer.



… E a dúvida: será esta resignação confortante a DEMOCRACIA?...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Grimpa do cata-vento

A maior parte dos que olham para um cata-vento fazem-no para saber a direcção do vento, ou para admirar as composições que se foram criando à volta das grimpas. E, dos vulgares galos aos mais variados motivos regionais, passando pela simples seta, podem ver-se verdadeiras obras de arte popular.

A do cata-vento colocado na chaminé de uma escola do meu concelho (Mação), documenta uma actividade local – o pastor e a cabra, junto duma árvore – e homenageia a arte dos artesãos, quer sejam ferreiros ou latoeiros, das nossas terras.

Mas então o que é a grimpa? Nada mais, nada menos que a lâmina, habitualmente metálica que fixada ao eixo vertical, rotativo, do cata-vento, indica a direcção de onde o mesmo sopra E, mais eficaz que qualquer informação meteorológica, está sempre actualizado, movendo-se ao mais leve sopro de vento.

Porém o motivo que me leva a rabiscar estas linhas é a expressão muito ouvida: “baixa a grimpa!...” É que, se apurarmos o ouvido, acabaremos por concluir que muitas vezes se diz garimpa, em vez de grimpa. Talvez, por isso, valha a pena esclarecer as coisas, mesmo sem perfilharmos o famigerado novo Acordo Ortográfico, que, quanto a nós, nada virá contribuir para esclarecer coisa nenhuma.

Depois de ouvir dizer: …mal viste o polícia, baixáste logo a garimpa!... fiquei na dúvida se estaria correcta essa forma de dizer e, como sempre, consultei os vário dicionários de que disponho, verifiquei a etimologia de ambas as palavras e não tive grande dificuldade em concluir:

Garimpa, como substantivo não existe; há apenas a forma do verbo garimpar, que significa exercer o ofício de garimpeiro, isto é, pesquisar, ou explorar, metais ou pedras preciosas. Mas a gíria, sobretudo a brasileira, usa o termo garimpo para indicar o local onde pesquisa o garimpeiro e para significar moço de fretes, ou de recados e, também, indivíduo sem morada e trabalho, certos.

Grimpa, significa lâmina móvel do cata-vento; parte mais elevada de uma coisa: cocuruto, crista, cume ou píncaro. Emprega-se, na gíria, como cabeça. Associado a “baixar” e “levantar”, significa, respectivamente, acatar qualquer coisa sem protestar, sumeter-se, ou sujeitar-se e, inversamente, mostrar-se insolente, insubmisso, recusar uma ordem, ou fazer um protesto.

E, esclarecidas que estão as coisas, havemos de reconhecer e aceitar, com humildade, que quanto mais sabemos, mais nos apercebemos do muito que não sabemos. O filósofo disse: “só sei que nada sei” e isso parece-nos exagerado. Até porque, quanto mais soubermos, mais conheceremos sobre o que não sabíamos; mas também mais alargaremos o conhecimento sobre o que não sabemos!...


Filosofias à parte, recordo com os que comigo aprenderam Português, com o Prof. Lalanda, no velho Colégio D. Pedro V. Dizia ele: “Queres aprender Português? Lê muito e bom e estuda, todos os dias o Dicionário!” E, logo explicava: “Lê os nossos clássicos; os que escrevem e redigem, correctamente, em bom Português; e nunca deixes de consultar o Dicionário quando encontrares alguma palavra cujo significado desconheces, ou ouvires algo que não entendes!”