quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Tenham senso, sr.s!


                                                        Olá velhote!... Olá careca!...

Li a notícia, sobre um “Procurador” – hesitei no uso de maiúscula -, que pôs uma acção judicial contra um Dicionário da Língua Portuguesa que, a pág. tantas, na entrada “cigano”, escreve, entre outras definições, com a indicação de forma pejorativa: “que, ou aquele que trapaceia, velhaco, burlador”. 

Quer, o autor da acção, que o Dicionário seja retirado da circulação e a Editora seja condenada a pagar uma avultada indemnização, por “semear a intolerância étnica”

E teríamos aqui mais dois semeadores da intolerância étnica se o procurador visse a imagem de ilustração desta “Folha solta”, que apenas retrata dois carinhosos amigos, cumprimentando-se. 

Confesso que a primeira coisa que me veio à cabeça, foi: que falta de senso! E uma catadupa de casos analógicos bloquearam-me: 

Então estamos sujeitos a ser, um dia, julgados por um procurador com este grau de intolerância e esta falta de senso?!... 

O meu consolo e tranquilidade vieram com a indicação de improcedência da referida acção. 

Porém, extrapondo o princípio, cheguei à nossa Constituição; Lá está explícito que qualquer forma de discriminação, nomeadamente a étnica, política ou religiosa, pode ser considerada geradora de actos inconstitucionais e susceptíveis de nulidade - passe a forma de expressão, tratando-se de um não jurista -. 

Na prática, qualquer adjectivo, que qualifique um ser humano, pode ser interpretado como intolerância étnica. 

Basta que seja visto à luz do recalcamento típico, do que é costume chamar-se politica e linguisticamente correcto. 

Aliás, não faltam exemplos jurídicos, jornalísticos e outros, em que se usa uma panóplia de eufemismos para amenizar certas qualificações. Diz-se invisual para fugir a cego, negro e africano ou de cor, para fugir a preto, iletrado em vez de analfabeto, inverdade por mentira e por aí adiante. 

Na História também encontramos muitos exemplos de falta de senso que levaram ao sacrifício máximo, muitos escritores exímios e pensadores célebres. 

O povo, que tantos, por aí, apregoam, "chama os bois pelo nome” e não é por isso que é menos respeitador, ou que revela sinais de intolerância. 

Mas, entre os dois léxicos: o popular e o erudito, nunca hesitarei em seguir o da gente simples que tão rigorosa e objectiva é, quando quer dizer aquilo que lhe vai na alma. 

Pode ser grosseiro, ou mal-educado – para os que assim o interpretem -, mas dá, de certeza, mais lealdade e respeito, do que recebe. 

O Povo, não se sente discriminado, quando canta: “A rica tem nome fino./ A pobre tem nome grosso./ A rica teve um menino./ A pobre pariu um moço.” 

As verdadeiras discriminações são as daqueles que se esquecem, no essencial, dos que também são seres humanos merecedores daquilo que só podem ver escrito na Constituição, mas nunca estará ao seu alcance. 

Parafraseando A. Aleixo: “Vós, que lá do Vosso Império / Proclamais o Mundo Novo./ Calai-vos, que pode o Povo / Querer um Mundo Novo, a sério”.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Singeverga - Beneditinos



O Mosteiro de Singeverga é o único mosteiro masculino que, em Portugal, segue a Regra de São Bento (Imagem à direita da ilustração)

Foi fundado em 1892, na freg. de Roriz, conc. de Santo Tirso, por monges idos de Cucujães – onde iniciaram a restauração da vida beneditina, após a extinção de Ordens Religiosas, em 1834. 

A família Gouveia Azevedo – ao tempo ainda viva e residente no “casal” de Singeverga, outrora pertencente ao "couto" do mosteiro de Roriz -, doou a casa à Ordem Beneditina. 

Os monges instalaram-se nas dependências agrícolas do “casal”. 

18 anos depois, com a Proclamação da República, tiveram de se dispersar e exilar – uns foram para a Bélgica, tendo a maior parte ido para Samos (Galiza). 

Ficou só, como capelão da família fundadora, o Padre Manuel Baptista de Oliveira Ramos, que viria a ser nomeado pela Santa Sé, em 1922, Prior de Singeverga. 

Entretanto, em 1926, os monges regressados de Samos, instalaram-se na Falperra (Braga) para não comprometerem o que o Padre Ramos tinha, entretanto, conseguido salvar. 

Reposta a normalidade religiosa e a liberdade da Igreja e das Instituições Religiosas, a comunidade deixou Falperra e foi para Singeverga, onde iniciou, em pleno, a vida monástica conventual.

Singeverga é elevada a Abadia, em 1938 e, desde então, teve vários Abades, sendo o último D. Luís Bernardo Sacadura Botte Aranha que governa, actualmente, uma comunidade de 36 monges e as suas casas dependentes. 

A “Regra de São Bento” (Ora et Labora), Reza e Trabalha, implica 3 características especiais para a vocação monástica dos Beneditinos: 

· A escuta da palavra de Deus, no silêncio, ou na reflexão; no recolhimento, ou na leitura. 

· O trabalho quotidiano, pastoral, intelectual, agrícola, artesanal e manual. 

· O acolhimento, na hospedaria, de todos os que vivem no mundo e procuram, no Mosteiro, um lugar e tempo para reflexão, descanso e oração. 

A Ordem de São Bento entrou em Portugal no séc. X, antes, portanto da fundação da Nacionalidade. 

O trabalho da comunidade é exemplar no campo educativo, quer no Mosteiro, quer na “Escola Claustral”, fomentando as vocações e o ensino laico. 

Em Singeverga, consta do património do Mosteiro de São Bento – casa mãe dos Beneditinos, em Portugal, uma tela (Adoração dos Reis Magos), exposta atrás do altar-mor e atribuída a Tintoretto; Uma colecção de borboletas (única na Europa); e o famoso Licor de Singeverga (que será objecto de outra Folha Solta).

domingo, 9 de setembro de 2012

O jogo do pião


O Quincas estava aterrorizado e deu um passo atrás para não ver, de tão perto, a desgraça do seu pião, levando mais uma valente seca. 

O Ruço queria ver, bem de perto, o Guedelhas a falhar e chegou-se à frente. 

O jogo era dar secas nos piões dos adversários sem os fazer sair do círculo limitado pela circunferência traçada no chão. Cada pião que saísse ficava livre. 

O jogo continuava enquanto o jogador, acertando nos piões dos adversários, os não fizesse sair do círculo. Valia a perícia e um pião bem artilhado: pesado para acertar nos outros e não saltar e com um bico forte e afiado para ferir os outros – dar secas-. 

O Guedelhas, com um pião de azinho e uma baraça comprida, era forte e mais alto que os outros jogadores; era temível. Ninguém tinha visto, mas todos aceitavam e repetiam a sua gabarolice de já ter rachado dois piões. Mas, o que era certo é que as marcas das secas do pião dele eram bem visíveis nos outros piões da malta. 

Mas, naquele dia, o Guedelhas lançou com quanta força tinha e falhou. Não acertou em nenhum dos dois piões cativos. 

É claro que ninguém fez comentários; é que o traste não era para brincadeiras e não se ensaiava nada para descarregar a sua ira se alguém estivesse a gozar com a sua desgraça. 

Pegou no pião, colocou-o bem no centro da roda e retirou-se para que o Ruço – dono do pião mais perto do risco – pegasse na sua arma, enrolasse a baraça, tomasse posição e atirasse a matar. 

Era lógico que todos quisessem o pião do Guedelhas o maior tempo possível na roda; enquanto lá estivesse não estava a fazer secas nos outros. Mas o gozo era maior que a lógica e todos, quando podiam, não desperdiçavam a oportunidade de atirar ao pião do mau. 

Naquele dia o traste estaria de pior humor e ao ver o seu pião castigado com duas valentes secas e ficar quase no centro, deu um salto e aplicou uma forte punhada nas costas do Ruço. 

Esqueceu-se, pela certa que o adversário não tinha o melhor pião, mas na luta não deixava os créditos por mãos alheias.

Levantou-se num ápice e num movimento brusco, aviou a Guedelhas com dois socos certeiros que lhe provocaram de imediato uma torrente de sangue do nariz. 

Depois apanhou o pião, meteu-o no bolso e disse para o Quincas: esse gajo não joga mais ao pião nesta terra, senão racho-o. Vamos embora e tu, meu traste, vai-te curar…

Estava marcado o terreno. O Guedelhas não voltou a jogar o pião na Serra.