domingo, 9 de setembro de 2012

O jogo do pião


O Quincas estava aterrorizado e deu um passo atrás para não ver, de tão perto, a desgraça do seu pião, levando mais uma valente seca. 

O Ruço queria ver, bem de perto, o Guedelhas a falhar e chegou-se à frente. 

O jogo era dar secas nos piões dos adversários sem os fazer sair do círculo limitado pela circunferência traçada no chão. Cada pião que saísse ficava livre. 

O jogo continuava enquanto o jogador, acertando nos piões dos adversários, os não fizesse sair do círculo. Valia a perícia e um pião bem artilhado: pesado para acertar nos outros e não saltar e com um bico forte e afiado para ferir os outros – dar secas-. 

O Guedelhas, com um pião de azinho e uma baraça comprida, era forte e mais alto que os outros jogadores; era temível. Ninguém tinha visto, mas todos aceitavam e repetiam a sua gabarolice de já ter rachado dois piões. Mas, o que era certo é que as marcas das secas do pião dele eram bem visíveis nos outros piões da malta. 

Mas, naquele dia, o Guedelhas lançou com quanta força tinha e falhou. Não acertou em nenhum dos dois piões cativos. 

É claro que ninguém fez comentários; é que o traste não era para brincadeiras e não se ensaiava nada para descarregar a sua ira se alguém estivesse a gozar com a sua desgraça. 

Pegou no pião, colocou-o bem no centro da roda e retirou-se para que o Ruço – dono do pião mais perto do risco – pegasse na sua arma, enrolasse a baraça, tomasse posição e atirasse a matar. 

Era lógico que todos quisessem o pião do Guedelhas o maior tempo possível na roda; enquanto lá estivesse não estava a fazer secas nos outros. Mas o gozo era maior que a lógica e todos, quando podiam, não desperdiçavam a oportunidade de atirar ao pião do mau. 

Naquele dia o traste estaria de pior humor e ao ver o seu pião castigado com duas valentes secas e ficar quase no centro, deu um salto e aplicou uma forte punhada nas costas do Ruço. 

Esqueceu-se, pela certa que o adversário não tinha o melhor pião, mas na luta não deixava os créditos por mãos alheias.

Levantou-se num ápice e num movimento brusco, aviou a Guedelhas com dois socos certeiros que lhe provocaram de imediato uma torrente de sangue do nariz. 

Depois apanhou o pião, meteu-o no bolso e disse para o Quincas: esse gajo não joga mais ao pião nesta terra, senão racho-o. Vamos embora e tu, meu traste, vai-te curar…

Estava marcado o terreno. O Guedelhas não voltou a jogar o pião na Serra.

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