terça-feira, 27 de novembro de 2012

Saber e Conhecer


 Se saber significa, entre outras coisas, ter conhecimento, não deveríamos começar este ensaio parafraseando o prémio Nobel sul-americano, que afirmou: 

Hoje temos mais conhecimento e menos saber

Mas, porque estou de acordo com a afirmação e ela não se me afigura paradoxal, vou tentar interpretá-la, enquadrando-a no que o dia-a-dia por aí nos mostra. 

Recuando no tempo – e uso esse privilégio por cinco ou seis décadas -, aprendi nos livros de Psicologia, também nos de Pedagogia e quiçá nos de Didáctica, que os conceitos de saber e conhecer não são uma e a mesma coisa e, no limite, podem até ser incompatíveis; se não, antagónicos. 

Já na Filosofia o mestre mandou-me abordar o tema pela Retórica. 

Começando pelos pensadores de antanho, vemos que, para Platão o conhecimento é a crença verdadeira e justificada. 

Leonardo da Vinci dizia que todo o conhecimento se inicia com sentimento. 

Anos mais tarde, Francis Bacon afirmou que o conhecimento é poder. 

Actualmente insiste-se na especialização: conhecer cada vez mais, de cada vez menos. 

Nestas teorias, o conhecimento, tal como o saber, implicam limitação; isso, porém, contraria a essência do conhecimento. 

Essa é, a nosso ver, a característica pobre da especialização hodierna, que cria “super-células”, vogando no plasma, sem ligação e articulação: qualquer coisa como robots sem coordenação e comando lógico e racional. 

Todos os dias nos deparamos com leis, decisões, análises, previsões e enunciados teóricos, sem a mínima ligação entre si, sem aplicação viável e na maior parte dos casos com resultados perniciosos e contrários ao fim em vista. 

Orçamentos não consentâneos com a realidade do dia-a-dia, contratos que não resistiriam a uma primeira análise se tivessem sido minimamente aferidos antes de celebrados. 

Tudo isso é fruto de gente cada vez mais conhecedora, com mais meios de diagnóstico e análise; mas que sabem cada vez menos. 

Pelos anos setenta, quando o Marketing, se difundiu em Portugal e se começou a programar, a debater campanhas e a estabelecer objectivos, os empíricos resistiram enquanto puderam e acabaram por contratar, para as suas empresas, equipas de marketing, a utilizar estudos de mercado, a estudar tendências e oportunidades de negócios. 

Um facto curioso, que recordo ao pensar no que por aí vejo: durante alguns anos nenhum director ou quadro intermédio das multinacionais era nomeado se tivesse mais de 40 anos; mais tarde, com menos dessa idade ninguém ascendia aos lugares de direcção. 

Hoje parece que voltámos aos tempos antigos, esquecendo-nos que, embora parecendo mais simples, a gestão é muito mais complicada, quer se trate de sistemas privados, quer se entre no sector público, onde a complexidade implica alta capacidade de gestão e decisão. 

E, como a História não volta para trás, a falta de capacidade, já visível a olho nu, é gritante no sector da Administração Pública e na condução da Política de que todos dependemos. 

Porque não se cria no ensino uma preparação de quadros para a administração e governo?

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Elegia nobre - monólogo

                        Meu pai, regando na horta
O milho, aqui da Renda, este ano, deitou mais palha que espiga; mas está uma horta de se lhe tirar o chapéu. 

Água, graças a Deus, não tem faltado, a terra foi bem estrumada e ainda levou um cheirito de adubo. 

Até o tempo tem ido de feição – bastante calor e manhãs cheias de maresia, até horas do almoço. 

A passarada veio bastante mais cedo e, que me alembre, nunca vi tantos taralhões a chegar, como neste Agosto. 

Os pincheiros, que nalgumas terras aqui perto se chamam branquinhos, vêm lá de umas terras que o Zé me disse que ficam ao pé da Ásia, ou lá que diabo é isso. 

Algures para os lados do Irão, onde já andou a trabalhar um dos moços do Manel da Chã. 

Trazem uma anilha branca, de lata, na pata, com um número muito grande e letras. 

Mais uns dias e desbandeiramos o milho, para ver se fugimos às chuvas que quando apanham os pastos a secar lhes tiram uma parte do chorume e até criam mofo quando se têm de arrecadar húmidos. 

Depois a besta pega-lhes mal. 

Até as abóboras, que acostumamos semear no meio do milho, deitaram duas ou três por cada pé e grandes como não me alembro de ter visto por estas bandas. 

Só o feijão catarino, que também metemos no meio do milho, não deu nada que se veja. 

Pouco vingou e os que se escarpentaram ficaram definhados e ao limpar da flor perderam-se. 

A pouca palha que deitaram, não tem mais que vagens vazias, ou com os bagos mirrado.


Às vezes, durante as regas, meu pai entrava em monólogos; quer falando sozinho, quer continuando depois de se ter ido embora algum possível interlocutor que, ocasionalmente, por ali passasse.

Era também vulgar falar com plantas ou animais, com a água que corria nos regos e nas belgas, com os bichitos que se iam levantando e correndo na frente da água. 


Era, verdadeiramente enternecedor, ver e ouvir estes autores e actores, esta gente simples e verdadeira, actuando no grande cenário da Natureza, a que pertenciam e com que se confundiam. 

Tal como os passarinhos que não param de cantar se ninguém estiver a ouvi-los.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

História;Romance



Carlos Ruiz Zafón, escreveu o seguinte: “Há alturas e locais em que não ser ninguém é mais honroso do que ser alguém”, para caracterizar cenários actuais.

Não podendo esquivar-me ao choque que estas palavras me causaram, reflecti: Ao que nós chegámos! 

E olhando para a minha neta, como faço muitas vezes, em circunstâncias semelhantes, interroguei-me: daqui a uma ou duas dúzias de anos, como será isto tudo? Que valores servirão de matriz ao comportamento da colectividade humana? Que regime político vigorará?

E acabei pondo-me, como ponto de ordem, as palavas do meu avô, ditas há perto de sessenta anos: adeus mundo; cada vez melhor!... 

Embora, até agora, mais de meio século decorrido, haja uma parte, incomensuravelmente melhor, e outra ainda se não tenha revelado, não quero perder a esperança.

Todavia, quem havia de dizer, quando cresci, entre gente simples e honrada, respeitadora de diversos estatutos: o da idade, o da educação, o da honradez, o da luta pela vida, o do respeito pela velhice, pela deficiência de qualquer espécie, que não ser ninguém poderia vir a ser mais honroso que ser alguém!...

Quem havia de dizer que haveria cursos sem qualquer utilidade, diplomas sem exames sérios, honestos e universais, comprados por favores, por numerário ou por nome de família ou filiação em qualquer coisa, indefinida e obscura?

Quem havia de dizer, quando brincávamos com as anedotas do Q.I. que haveríamos de ver realidades tão absurdas como as que hoje, proliferam?

Continuo a ter muita honra em todos os que comigo colaboraram, durante quase cinquenta anos de trabalho; tenho orgulho em todos os que ajudei a subir nas carreiras profissionais, nos que subiram muito mais alto do que eu, nos que desenvolveram actividades muito mais conseguidas do que eu. 

É para eles que escrevo. São largas dezenas de amigos que ajudei a crescer e sem nunca mandar inscrever ninguém fosse no que fosse, para além das Faculdades para fazer exames reais e alcançar cursos úteis e acrescentadores de valor curricular.

Como seria bom se pudéssemos transformar e dar vida às personagens que manejamos no que escrevemos; voltar a ter, no comum dos mortais, os grandes génios que já cá não estão. 

Ou seja, dar ao Historiador e ao Homem Simples a possibilidade de que dispõe o Romancista. 

Teríamos menos inquietações!...