A verdade é o que foi, as pessoas e os factos tal e qual como foram, como ficaram na nossa memória, como os nossos olhos a viram e os nossos neurónios a guardaram no recanto apropriado do cérebro.
A ficção constrói-se, dá-se-lhe vida e move-se com o que fica gravado do passado.
Alguns, mais afortunados, procuram-na no futuro – uma espécie de projecção lida no espelho da imaginação em que, invariavelmente, entre muitos figurantes, estamos sempre nós próprios, como ponto de referência -.
A ficção é o motor da nossa imaginação, a força impulsionadora da nossa inércia, a tinta das nossas imagens do futuro, projectadas do passado.
É lá que encontramos as pessoas de quem escrevemos – não fossem elas parte da nossa vida -.
Mais chegadas ou, simplesmente, meras conhecidas, foram elas que criaram os nossos protótipos, que alimentam os nossos projectos, que dão alma e estrutura às personagens dos nossos contos, vulgarmente chamados de histórias.
Quase sempre gente de família, ou conhecidos, pois a árvore genealógica, mais ou menos rebuscada, é uma só.
Contar a vida dos outros implica correr muitos riscos; temos, forçosamente, que nos respaldar na nossa – verídica ou fictícia, real ou imaginária, que tivémos ou que gostaríamos de ter tido -.
Mas o passado não é vida, serve-lhe de substracto e sustenta-a.
Mas, vida, como muito bem disse o poeta, é “ai que mal soa”.
E, sendo assim, será o espaço entre o passado e o futuro, naturalmente fugaz, mais ido que tido.
É por isso que a ficção é uma arte tão difícil de praticar, contrariamente ao que pensam muitos, menos avisados ou pouco apetrechados.
Embora comparável a um quadro, lido sobre o futuro, assenta em bases voláteis e suposições, por natureza pessoais e de difíceis contornos.
Já o quadro, respeitando, ou não, as normas e preceitos da beleza, as características dos materiais utilizados, as formas mais heterodoxas, ou totalmente abstractas, qualquer um pode pintar.
E não vem mal ao mundo se no final resultar um borrão de cores sobre a tela que a poucos dirá qualquer coisa.
E, então, o que somos nós?
A essência fugaz e naturalmente efémera de cada momento, o substracto do que fomos, emergente dos cenários que ajudámos a constituir e em cuja existência participámos, ou a ficção do futuro que construímos passo a passo, no universo em que nos movemos?
Os contos que escrevemos são o retrato do momento e, por isso, quando relidos, algum tempo depois de escritos, parecem-nos desajustados, desafiam-nos a alterá-los, criam-nos dúvidas.
É que, quando por eles perpassou a vida, algo mudou desde que haviam sido escritos.
E se há coisa que a escrita não consegue retratar é a realidade da ficção, ou a ficção da realidade.
Nós, os escritores de histórias, apenas queremos que elas sejam lidas e relidas e, sobretudo, revividas!...
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