Fui abordado, delicadamente, por três indivíduos, bem vestidos, um com o casaco no braço, outro com um Jornal Desportivo na mão e um terceiro com uma bolsa de cabedal.
Apesar de longínquo, passou por mim um sentimento de que se tratava de alguém velho conhecido e prestei atenção ao grupo.
Não tardou o da bolsa de cabedal a adiantar-se, dizendo:
É o senhor professor Valente, o director da escola 10, da Costa do Castelo, não é?
Num impulso apontei o do jornal e exclamei: tu és o A… China; E vocês, são os irmãos R…M…, primos dele. (Não especifico os nomes, como é óbvio).
Um abraço a cada um e o meu convite para irmos tomar um café.
Declinado o convite, por razões de “serviço”, ficou o da bolsa e os outros dois seguiram no próximo combóio, na direcção Oriente.
Eu, sem grande pressa, fui com o S…, tomar um café e matar saudades com mais de quarenta anos.
Foi então que fui informado que os três estavam a “trabalhar”, no Metro, onde eram “carteiros”, ou “chouriços”, como se queira.
Mas o S… era “Supervisor” e trazia, naquela altura, três pares a “praticar golfe”.
Quer isto dizer, sr. Professor, que somos carteiristas profissionais; eu sou chefe e controlo três equipas, sendo uma, o meu irmão e o primo.
Palavra puxa conversa e lá fiquei a saber que um “par” tem, no mínimo, dois “chouriços, ou choros”: o “carteiro e o namorado” – carteirista que ajuda durante o trabalho.
Quando uma carteira é tirada, o carteiro não fica com ela; passa-a, imediatamente ao namorado.
Assim, mesmo que o próprio, ou algum mirone, acuse o carteiro, ele já não tem a carteira e não pode ser incriminado.
Até se faz de vítima inocente, se não estiver a polícia por perto. Se não há que disfarçar e emigrar, pois eles conhecem-nos bem. Temos todos ficha actualizada na Polícia.
Eu sou também o encarregado da preparação e treino dos novos carteiros.
Temos sindicato e normas; preparamos o pessoal, treinamos a “puxada no robot” e só mandamos para os “fatios”, seja pela sé, castelo ou outros locais com muitos “guiros”, os carteiros capazes.
Estádios e espectáculos também pagam bem.
Fatios são os locais muito frequentados e Guiros são os turistas.
Tudo é praticado, desde a técnica de dedos para fazer bem a “puxada”, em casos especiais fazer a sangria e se o cabedal estiver no porão, pode entrar em acção o “chino” – corte do bolso para fazer a carteira cair nos “garfos”- mãos do carteiro.
Depois há normas rigorosas: não “chibar” , não perder a calma, não estragar materiais ou documentos, respeitar as ordens dos chefes.
A articulação do pessoal é fundamental para baralhar as autoridades; podem actuar em Lisboa e no Algarve, no mesmo dia.
Podem vestir uma roupa, de manhã e outra de tarde, mudar várias vezes de transporte,etc.
Olhe, se um dia for aliviado, telefone-me e veremos o que se pode fazer!...
Um abraço. Às vezes ainda falamos de si lá no nosso Bairro, pois continuamos todos a frequentar a Mouraria.
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