quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Licença de isqueiro



Aqui, sobre estas palavras, está a imagem de uma das coisas caricatas antes do 25 de Abril: a licença para usar acendedores e isqueiros.

Lembro-me de tirar um, ou dois anos, a referida licença, pois ali pelos cafés Martinho, Paladium, Restauração, Gelo, Patinhas, e outros onde se jogava bilhar, tertuliava e estudava, era permitido fumar e, pululavam os fiscais que, escondidos atrás de um jornal, espreitavam quem acendesse o cigarro com um isqueiro para pedirem a licença de isqueiro, ou o pagamento de uma multa que era de 2$50 – vinte e cinco tostões, na linguagem dos anos sessenta -.

E não havia estudante que não gozasse com fiscais e polícias, quer acendendo fósforos com uma só mão, imitando isqueiro, quer resguardando-se para acender o cigarro, como que protegendo a chama de um isqueiro e ostensivamente desafiando a atenção de suspeitos fiscais e outros, que já eram conhecidos de outras andanças.

Depois o expediente de junto da multa fazer uma doação para o Socorro Social de 10 ou 20 centavos.

É que a operação burocrática de aceitação de doação consistia no preenchimento de vários papéis e recibos que o doador exigia da autoridade autuante.

Vistos agora, à distância de umas décadas, aqueles fiscais e informadores, facilmente detectados,
eram olhados com um misto de raiva, desprezo e revolta, não tanto pelo mal que causavam, mas pela imagem de agiotagem, servilismo e pobreza moral e intelectual que retratavam.

Funcionários que a troco de uns parcos escudos, sacrificavam o descanso e fora das horas de trabalho, espreitavam estas e outras pequenas hipóteses de ganhar uns tostões, ou de agradar a um chefe que lhes dava algumas benesses na função, ou no trabalho.

Um dia estávamos no átrio do velho cinema Odéon, no intervalo do cinema, fumando uma cigarrada.

O Américo, meu colega de pensão na R dos Douradores, puxou do isqueiro, acendeu o cigarro e, pouco depois, um desses fiscais, mostrou-lhe uma espécie de crachá e pediu-lhe a licença do isqueiro.

Como já tínhamos referido o sujeito e eu disse que se tratava do pai de um aluno da Escola onde era professor, o meu amigo voltou-se para mim e disse-me:

Oh! Senhor Professor, veja-me aqui, se faz favor, quem é este sujeito que me está a mostrar uma identificação qualquer e a pedir a licença de isqueiro.

É que, como o meu amigo sabe eu não sei ler e não tenho isqueiro.

Quando o homem encarou comigo, fez-se de mil cores, baixou os olhos e dirigindo-se a mim, pediu imensa desculpa, mas aquilo era a maneira dele ganhar a vida e que não levássemos a mal.

E, com o rabo entre as pernas, desapareceu, certamente para outras paragens, interpelando outros pagantes, para ganhar alguns cobres.

Infelizmente os filhos que frequentavam a escola, passavam fome.

Soube, mais tarde que o homenzito levava os apanhados a um polícia reformado que dividia com ele a percentagem do autuante nas multas que aplicava.

Recebia quatro tostões por cada captação que fazia para o polícia.

Sem comentário!…

sexta-feira, 16 de agosto de 2013

História do sabão




O sabão não se encontra, espontaneamente, na Natureza; tem de ser fabricado, tal como o pão, o vinho, o queijo, ou o vidro, cujos processos de produção são extremamente simples e foram originados, geralmente, por fenómenos puramente acidentais.

As primeiras referências à produção de sabão são do historiador romano Plínio, o Velho (23-79 d.C.), mas estão documentados muitos factos pré-históricos, relacionados com sabão.

Na Babilónia, foram encontradas inscrições, datadas de 2.800 a.C., revelando fervura de gorduras de animais juntas com cinza. 


Porém a mistura seria usada como pomada para ferimentos, ou para penteados, pois ainda não se lhe conheciam as propriedades de limpeza.

No Egipto, o sabão não tinha lugar nos tão bem referenciados banhos de Cleópatra.

Já conhecido e preparado, continuava ligado ao tratamento de feridas e doenças da pele.

Na Grécia, o sabão estava, igualmente, fora dos hábitos de higiene.

Os gregos limpavam os corpos com blocos de barro, areia, pedra-pomes e cinzas. Depois, um instrumento de metal – o strigil – removia a sujidade, gordura e células mortas.

As provas definitivas da produção de sabão encontram-se na História de Roma.

De acordo com uma antiga lenda romana, o sabão tem origem no Monte Sapo, onde eram feitos sacrifícios de animais em pilhas crematórias.

Depois as chuvas arrastavam, para os barros das margens do Rio Tibre, onde as mulheres iam lavar a roupa, os restos de sebo misturados com cinzas.

Quando as lavadeiras descobriram que aquele barro lavava muito melhor, com menos esforço, descobriram, inadvertidamente, o sabão.

Porém, apesar da importância dos banhos públicos na sociedade romana, a utilização de sabão como agente de limpeza corporal não se encontrava disseminada.

Tal como os Gregos, os Romanos usavam o “strigil” para raspar a areia, óleos e cinzas com que cobriam o corpo. Completavam o “banho” com bálsamos de ervas.

Mais tarde os médicos romanos começaram a recomendar o sabão como benéfico para a pele e, nas ruínas de Pompeia foi encontrada uma fábrica de barras de sabão.

Durante muitos séculos o sabão teve avanços e retrocessos na higiene pessoal, mas acabou por ter larga utilização na lavagem de roupa.

Já no início do séc. XVIII avançou-se, definitivamente, com a produção de sabão a partir de derivados de azeite.

Nos EUA recebiam, no início do séc. XIX grandes quantidades de sabão ido da Europa.

Até que, em 1806, William Colgate abriu a primeira grande fábrica de sabão nos EUA, chamada Colgate & Company.

Em 1830, a empresa começou a vender barras de sabão de peso uniformizado e em 1872 Colgate introduziu os sabonetes perfumados.

Actualmente, com o avanço dos detergentes, os sabões pouca semelhança têm com o sabão fabricado através dos tempos.

Mas isso são outras “guerras”!...

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

O criado Xavier




O biólogo descrevia assim a célula humana: é tão pequenina que só pode ser vista ao microscópio; mas é tão complexa, a sua actividade, que se pode comparar à da maior petroquímica do mundo, em plena laboração.

...E acabava a aula com uma recomendação, em ar de desabafo: aprendam o essencial, porque, felizmente, não teremos de estudar cada célula, em particular; pois, ainda que conseguíssemos estudar uma célula num minuto, não bastaria uma vida, nem as vidas duma geração, para estudar o corpo humano!

 

Recordo, com muita saudade, o dedicado e delicado professor.

Com ele aprendi muito mais que a complexidade das células e percebi que mais complicadas são as simples coisas do dia a dia, quando envolvem sentimentos e pessoas.


É que o professor ia muito para além do estudo das células ou da fisiologia dos músculos....

Gostava muito de contar episódios reais – como fazia questão de frisar – de pessoas inteiras.


Tinha um carinho contagioso e repassado de sentimentos de humanidade quando descrevia os gestos do... velho “criado Xavier” que viera da Índia, com os seus antepassados, ao olhar fixamente e imperturbável, o seu senhor, quando este lhe pedia o “whisky, com pouco gelo”.


Retirava-se, solene e silenciosamente e, já na copa, surgiam as dúvidas inerentes a qualquer honrado e educado criado que fazia questão em que nada contrariasse o seu senhor:


Será whisky da mesma marca da última garrafa? 


Quererá o senhor fazer a prova?

Levarei aperitivos?

Da última vez foi caviar!

Tenho anchovas abertas!

Parto lascas de presunto?...?...


Todavia, em menos de um minuto, o criado Xavier entrava com o whisky sobre a bandeja, que pedia licença para deixar sobre a mesa, e retirava-se, após o gesto de vago agradecimento com que o senhor professor o despedia, sem levantar os olhos do livro que continuava lendo.


E, invariavelmente à mesma hora, a cena repetia-se cada dia, rematava o professor Neves.