O biólogo descrevia assim a célula humana: é tão pequenina que só pode ser vista ao microscópio; mas é tão complexa, a sua actividade, que se pode comparar à da maior petroquímica do mundo, em plena laboração.
...E acabava a aula com uma recomendação, em ar de desabafo: aprendam o essencial, porque, felizmente, não teremos de estudar cada célula, em particular; pois, ainda que conseguíssemos estudar uma célula num minuto, não bastaria uma vida, nem as vidas duma geração, para estudar o corpo humano!
Recordo, com muita saudade, o dedicado e delicado professor.
Com ele aprendi muito mais que a complexidade das células e percebi que mais complicadas são as simples coisas do dia a dia, quando envolvem sentimentos e pessoas.
É que o professor ia muito para além do estudo das células ou da fisiologia dos músculos....
Gostava muito de contar episódios reais – como fazia questão de frisar – de pessoas inteiras.
Tinha um carinho contagioso e repassado de sentimentos de humanidade quando descrevia os gestos do... velho “criado Xavier” que viera da Índia, com os seus antepassados, ao olhar fixamente e imperturbável, o seu senhor, quando este lhe pedia o “whisky, com pouco gelo”.
Retirava-se, solene e silenciosamente e, já na copa, surgiam as dúvidas inerentes a qualquer honrado e educado criado que fazia questão em que nada contrariasse o seu senhor:
Será whisky da mesma marca da última garrafa?
Quererá o senhor fazer a prova?
Levarei aperitivos?
Da última vez foi caviar!
Tenho anchovas abertas!
Parto lascas de presunto?...?...
Todavia, em menos de um minuto, o criado Xavier entrava com o whisky sobre a bandeja, que pedia licença para deixar sobre a mesa, e retirava-se, após o gesto de vago agradecimento com que o senhor professor o despedia, sem levantar os olhos do livro que continuava lendo.
E, invariavelmente à mesma hora, a cena repetia-se cada dia, rematava o professor Neves.
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