segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A mula



A mula é um animal híbrido, resultante do cruzamento de um jumento (Equus africanus asinus) com uma égua (Equus caballus). 

É estéril; um ponto final na biologia dos equídeos, pois resulta do cruzamento de espécies diferentes: cavalos e burros, com nº diferente de cromossomas (64 e 62).

Resultante desse cruzamento a mula (63 cromossomas) é estéril. 

Nos últimos 5 séculos, apenas foram registados 60 casos de mulas não estéreis. 

Já os romanos tinham um aforismo, para classificar acontecimentos impossíveis: “cum mula peperit”- quando a mula parir

Até que ela pariu e começou a História e as histórias em volta deste pacato animal, que até virou adjectivo.

Agrupa características positivas de duas raças, que lhe conferem apetência para o transporte de cargas e utilização em zonas de topografia acidentada. 

Em Portugal é usada nos trabalhos agrícolas, como animal de tiro, de carga e de transporte. 

Bem mais rico é o historial de um dos progenitores da mula: o burro – do Latim “burrus”- vermelho

Tido como símbolo de pouca inteligência e teimosia, precisamente pela origem do seu nome. 

Esta associação de vermelho com a falta de inteligência vem dos dicionários antigos –vulgarmente com capas vermelhas– dando a ideia de que os burros eram sedentos de sabedoria. 

Nada a ver!...

Os burros são animais muito valentes. 

Quando se assustam, não fogem! Apenas zurram com força! 

É o único animal, do seu tamanho, que não retrocede perante o leão

É, por isso, usado em África, para proteger os rebanhos. 

Dada a precisão do coice e a violência da mordidela, os cães recuam diante dos burros.

O burro, ou asno, foi domesticado, pela 1ª vez, na Etiópia e Somália, há 6.000 anos. 

Foi usado, como meio de transporte, muito antes dos cavalos, originários da Ásia e criados pela sua carne. 

Com os burros deu-se a primeira grande expansão do comércio, aproveitando este animal dócil, capaz de levar mercadorias com o peso de mais de um terço do seu próprio peso.

Nos últimos 10.000 anos, de 148 mamíferos de grande porte (mais de 45 kg), da Terra, só 15 foram domesticados. 

E destes, só 7 se adaptaram a animais de carga para zonas montanhosas: cavalo, camelo, bactriano, lama, alpaca, burro e yak.

Na área rural da Índia o leite de burra é muito utilizado como alimento infantil. 

Análises recentes revelam que o leite de burra é muito rico em oligossacarídeos, carbohidratos com potentes qualidades imunoestimulantes. 

Há até quem lhe reconheça efeitos semelhantes ao Viagra. 

Parabéns Cleópatra!...

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Greve geral


Hoje, dia de GREVE GERAL DE PROFESSORES, um dirigente sindical "garante":

1 - Mais de 90% dos Professores fizeram greve;

2 - Mais de 20.000 Alunos foram impedidos de realizar o exame nacional de Português;

3 - Muitos dos exames só se realizaram com "ilegalidades e arbitrariedades".

Infere-se, das "garantias" acima referidas, que 90% de Professores só conseguiram impedir pouco mais de 20.000 Alunos de realizarem os exames (cerca de 24%).

Regista-se, ainda, a acusação da prática de "ilegalidades e arbitrariedades" por parte de um número considerável de Professores ( os que não fizeram greve).

Estas duas conclusões levam-nos a algumas reflexões:

1 - Se o objectivo da greve era o impedimento da realização dos exames, os resultados terão sido muito fracos (76% dos Alunos terão feito exame);

2 - Se estava em causa a defesa do "Ensino Público", também o objectivo não foi, minimamente, alcançado. Os alunos do "Ensino não Público" terão, todos, feito o seu exame.

3 - O sindicalista falou em nome de todos os sindicatos que convocaram a greve. Poder-se-á saber quantos Professores estão sindicalizados e que percentagem representam, no universo da classe?

4 - Quanto às acusações feitas aos colegas que participaram na realização de exames, o que pensa fazer o sindicalista?

5 - Afirmou, o sindicalista, que "o Ministério da Educação fica politicamente fragilizado". Será que fica, ou será que recebeu, um dos maiores apoios que se têm visto dar ao Governo nos últimos tempos?

6 - Será que um Ministério da Educação politicamente fragilizado, trará vantagens ao País, aos Alunos ou aos Professores?

Compete aos Senhores Professores meditarem bem nos objectivos que defendem e por que lutam. 

Depois definirem escrupulosamente os alvos a abater, não excluindo a substituição dos seus dirigentes de classe se se considerarem mal representados.

Publicado no Facebook – 17JUN2013

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Rio Noéme



Ladeando a cidade da Guarda pelo sul, vem lá da Serra da Estrela, onde nasce, com caudal frágil e diminuto, a mil metros de altitude.

Ao contrário dos irmãos mais fortes e alentados – Mondego e Zêzere – toma o rumo de Leste e, após poucos quilómetros na zona serrana, percorre, lenta e calmamente, já na companhia do Rio Diz, o Planalto Beirão, para, após os últimos 30 Kms, junto da aldeia do Jardo, se misturar com o Rio Côa e seguirem para Norte, até ao Douro.

Os 400 metros de declive entre a nascente e a foz do Noéme que, embora sem grande pressa não se esquece da sua condição de rio de montanha, são percorridos em terrenos pedregosos, desfrutando um vale ancho, ladeado por barrocos graníticos e espraiando-se, a espaços, em verdadeiras praias cercadas de lameiros e veigas férteis, emolduradas por freixos e salgueiros.

Entre as aldeias que ao longo do Noéme se foram desenvolvendo falamos, hoje, do Rochoso.

A meio caminho entre Vale de Estrela e Jardo, a “ribeira do Rochoso” foi paraíso de muitas gerações e gáudio de muitos jovens que ali se banharam, por lá confraternizaram repartindo as merendas, ou meditaram e se inspiraram, lendo e escrevendo nos períodos de ócio, ou férias.

As palavras e expressões como doçura, suavidade, graça, alegria…vêm do antigo hebraico – no’ami -, de onde, segundo os etimologistas, provém Noemi, ainda em uso pelos menos novos, que viria a dar origem ao nome actual: Noéme.

Compreende-se, pois, todo o bucolismo, saudade e bairrismo de quem nasceu naquelas terras, ou a elas se sente ligado.

É que a maior parte daquelas aldeias, perdidas por montes e vales, hoje quase abandonadas, foram alfobres de gentes de rija têmpera, que no seu País ou espalhadas pelo Mundo, sofreram, lutaram e triunfaram, sem nunca esquecerem as suas origens e a ligação à terra que as viu nascer e crescer. 

Porém, que maior maldade se poderia fazer a estas gentes e às suas memórias que matar o seu rio; acabar com as águas límpidas e serenas em que se reviram e refrescaram nos quentes verões da sua meninice; expulsar ou extinguir os peixinhos que serviram de pretexto a uns belos copos com os amigos? 

As novas estradas, comodidades, conforto, nível de vida, educação, instrução, etc, etc… tudo não passará de nada, quando comparado com a morte da “sua ribeira”, o remanso dos seus moinhos, as sombras dos seus freixos, a lembrança de tempos difíceis, mas…felizes.

O nosso apelo é muito simples:

Não nascemos no Rochoso, mas somos de lá; não temos, por isso, receio de falta de legitimidade, pedimos às autoridades competentes que façam aquilo que há-de perpetuar a sua lembrança junto dos vindouros: realize, sr. Presidente da Câmara da Guarda, um milagre – salve o rio Noéme, ressuscitando-o.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

O penedo da Lameira


Ainda o sol, vindo dos lados do Casalinho, depois de contornar o cabeço do Pião, não banhava o povoado, já o “príncipe” espreitava os primeiros raios, especado no alto da portela da Casinha, ali no cimo dos Brejos.

Um pouco mais atrás, o Ti’Luís Mestre – moleiro desde que se conhecia e dono de uma das azenhas do ribeiro da Louriceira – seguia o “fadista”, ajoujado sob a carga de taleigos de farinha, com passo lento e cadenciado.

A aldeia, estendida no sopé de um pequeno relevo – de que herdou o nome, impróprio, de Serra – tinha acordado, há muito. 

Eram sinais disso, o cantar dos galos, o ladrar dos cães e o barulho de um ou outro chocalho das cabeças de gado que já se dirigiam às hortas.


O moleiro, que visitava a aldeia todas as semanas, tinha os seus fregueses.

Até o “fadista” guiava o dono, parando junto às portas onde ia trocar o taleigo de farinha pelo saco de cereal, que levava para o moinho, trazendo a farinha, depois de moída e maquiada, na semana seguinte.


Naquele ritual, enquanto parava às portas, o “fadista” ia lançando a boca às verduras, ou outras coisas comestíveis que apanhasse à mão, o que muitas vezes lhe valia uma arrochada no lombo, não tanto como castigo, pelo abuso, mas como sinal de arranque para a próxima paragem.

O “príncipe”, que todo o caminho se entretivera a correr, a parar de repente, a ir ao dono, a fugir para fora do caminho, perseguindo as lagartixas que passavam ao seu alcance, sentava-se, sobre as patas traseiras, enquanto atendiam os fregueses.

Não se incomodava com a comida, pois, normalmente, não tinha fome. 

Os ratos, ratazanas e similares, que pululavam lá nas azenhas, chegavam e sobravam para lhe encher a barriga. 


Daí que os seus maiores inimigos fossem os gatos, que pintavam no terreno, à procura de “caça”.


O Ti’Luís Mestre, sexagenário baixote e atarracado, vestia, invariavelmente, calças de saragoça, camisa de flanela e um blusão, tipo jaqueta, justo na cintura.

Calçava botas de cabedal, ensebadas e cobria-se com uma boina escura e esbranquiçada pela farinha.

Até as sobrancelhas denunciavam a profissão do moleiro, que, raramente se separava da bengala com que acariciava o lombo do “fadista” e lhe servia de amparo e companhia, nas caminhadas.


A maquia dos taleigos chegava para lhe dar uma vidinha sem sobressaltos e para criar os quatro filhos que estavam em casa, com a mãe – a Ti’Luísa, uma santa.

A personalidade e o feitio do moleiro tinham-se adaptado ao ritmo da azenha; dormia, com o barulho das mós, acordava, com o silêncio das paragens.

Uma manhã, de fins de inverno, ao deitar o nariz fora do casebre, onde funcionava a azenha e onde tinha o catre em que, tal como seus antepassados, estendia os ossos, enquanto o engenho marchava, viu tudo branco – havia, nos campos, uma coisa que nunca vira –.

Imediatamente lhe veio à ideia que em tempos ouvira falar na neve, que cobre as terras altas e é formada por água gelada, que cai assim do céu.

Saiu do tugúrio, assobiou ao “príncipe”, que parecia louco, a correr de um lado para o outro e a meter o focinho na neve branca e fofinha.

Deu uns passos em redor do engenho.

A água do ribeirito continuava a correr e tudo marchava, em perfeita ordem e harmonia.


Nesse dia fazia a volta da Serra, pois era terça-feira e não era dia de Entrudo, nem de Natal – únicas excepções para essa viagem semanal –.

Ao chegar quase ao cimo do vale, junto ao penedo da Lameira, olhou para o cabeço do Loureiro, nos altos da encosta em frente e viu tudo branco.

Que delícia, o brilho do sol reflectido pela neve!...

Parou uns momentos e fez alto ao “fadista”, voltando-se para ele, como que a convidá-lo a admirar aquela paisagem, nunca antes vista e que, provavelmente, poucas vezes se repetiria.


Inopinadamente, um sobressalto agitou o burrito, que soprou, violentamente, pelas narinas.

Ali perto, o cãozito, andava num frenesim nada habitual – nunca se lhe vira tal agitação –.


Homem e animais estavam no centro de qualquer coisa; participavam em qualquer cena desconhecida a que a neve dava moldura especial e o espírito calmo e pachorrento do Ti’Luís Mestre não percebia.

Sentia que o burrito estava hirto e o cãozito todo eriçado, fixados na fresta do penedo.


Olhou, instintivamente, na mesma direcção, depois de, em milésimos de segundo, lembrar as moiras encantadas, as luzes referidas pelos mais alucinados com a zurrapa que bebiam na tasca do Sebastião e até imaginou a bandeira que, segundo a tradição, ali foi colocada, pelas tropas de Napoleão, marcando o centro de Portugal.

De repente, acordou, desceu à terra, agitou os pés, sobre a neve, e, junto dos seus companheiros, olhou... esfregou os olhos, para se certificar que não sonhava, e viu uma loba, maior que os maiores cães que já vira, saindo da fenda do penedo, abandonando o covil, acompanhada por três filhotes.

Dirigiu-se para o mato, sem denotar grande nervosismo, e desapareceu.


Estava feita luz na cabeça do Ti’Luís Mestre; não lhe falassem de barulhos de moiras encantadas, de luzes na escuridão, ou bailados e reuniões de bruxas...

No penedo havia sim um covil de lobos, cujos ruídos eram normais e que ao saírem, durante a noite, projectam a luz dos olhos para quem os vê.

Foi sem receio que continuou a passar no local, pois ao ser interpelado, o ti’Luís limitava-se a galhofar:


Tenho medo do “bicho homem”, que me pode fazer mal; dos outros, dos verdadeiros bichos, nunca tive medo, porque tenho a certeza que sempre me tratarão como eu os trato: nunca me farão mal.