domingo, 29 de junho de 2014

António Aleixo


A sátira e a ironia aparecem tão bem jogadas nas quadras de António Aleixo que revelam, pelo menos, o domínio de certos enquadramentos e raciocínios lógicos, indiciadores de treino intelectual e muita leitura.

A simplicidade com que se exprime e o rigor cirúrgico com que manipula e resume as ideias, evidenciam largas horas de leitura e, sabendo nós que um dos livros que mais utilizava era o dicionário, grande domínio das palavras.

A maior profundidade é alcançada em quadras e, até mesmo, em versos isolados, que nada mais fazem, depois, que dar cor aos quadros que pintam. 

E, na simplicidade e beleza dessas imagens, na realidade e clareza dessas observações, reside a subtileza da sua obra, em que raramente se lê uma palavra menos comum, ou de difícil compreensão.

Algumas pérolas:

A mosca

          Uma mosca sem valor
          Poisa com a mesma alegria
          Na careca de um doutor
          Como em qualquer porcaria.

Ironia

          Julgando um dever cumprir
          Sem descer no meu critério
          Digo verdades a rir
          Aos que me mentem a sério.

Trocadilho

          Entre leigos ou letrados
          Fala só de vez em quando
          Que nós às vezes calados
          Dizemos mais que falando

Jogo de palavras

          P’ra não fazeres ofensas
          E teres dias felizes
          Não digas tudo o que pensas
          Mas pensa tudo o que dizes.

Imponderabilidade

          Quem prende a água que corre
          É por si próprio enganado.
          O ribeirinho não morre
          Vai correr para outro lado.

Destino, fatalidade

          Vinho que vai p’ra vinagre
          Não retrocede o caminho.
          Só por obra de milagre
          Pode, de novo, ser vinho.

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