segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Será possível?



                                                                                               Eça de Queiroz
Transcrevemos, fiel e integralmente, o texto seguinte, pois embora sem qualquer enquadramento de contexto, constitui uma peça literária digna do seu autor, ajustada aos ventos da História, apesar do século e meio de atraso, e embora escrita num regime monárquico, não ofende, nem deslustra os grandes princípios republicanos. 
 
“ORDINARIAMENTE todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a concepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?” 

(Eça de Queiroz, 1867, no “O distrito de Évora”) 

Vai ser possível, sim senhor. Não conservar a sua independência – não se conserva aquilo que se não tem com plenitude e dignidade -, mas vai ser possível restaurar e, depois, conservar a independência do nosso País. 

Desde que o senhor escreveu essas palavras, muitas peripécias pesaram sobre a vida política deste nosso País. 



Desde crises de regime, a guerras e sobressaltos económicos, tudo o que de mau previu e não quis dizer, expressamente, nas suas linhas, nos tem sucedido. 

Incomensuravelmente mais mau do que bom, a ponto de continuarmos na cauda desta Europa, que também não tem feito muito mais do que nós. 

Em ambos os cenários, no mais restrito do nosso País e no mais amplo da Europa, já se abriram janelas de esperança, já se acenderam luzes que brilharam enquanto os substratos perniciosos, que nunca foram bem enterrados, vieram ao de cima. 

E, como que por fatalidade, temos de reconhecer que qualquer jornal actual que publicasse o que o senhor escreveu, no periódico de sua direcção, não estaria a ser desonesto com os seus leitores. 

Mas descanse em paz, sr. Eça. 

O tempo para si já não conta, tenha esperança, como nós.

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