domingo, 9 de junho de 2013

A carroça vazia…


O Ti’Zé era um homem meticuloso, sério e honrado no conceito das gentes do povo, amigo de ajudar e muito observador. 

Não sabia ler nem escrever, nunca passara muito tempo fora, mas tinha boa memória e falava, pausadamente. 

Era ferreiro e ferrador para a terra e redondezas.

Havia um costume que cultivava desde pequeno e por isso lhe chamavam, na terra, o doutor. 

É que não deixava de juntar um ensinamento sempre que contava qualquer história, ou resumia qualquer facto, ou acção, que presenciasse, ou lhe chegasse aos ouvidos. 

Era, o que o povo diz, muito examinado!... 

E eu junto: um grande mestre, pois foi com ele que aprendi a caldear o ferro e a temperá-lo consoante a utilização que se lhe quer dar. Um bico de arado não é uma ferradura duma besta.

Ao ver-me meio desnorteado com o rumo da conversa, o meu padrinho, ferreiro na aldeia e um grande especialista na fabricação de balanças romanas, que exportava para todo o país, aproveitou uma pequena pausa e pegando num conjunto de papéis, de várias cores e tamanhos e na sua maioria pouco limpos, catou uma folhita, bastante amarelecida e com sinais de bastante manuseamento e estendeu-ma.

 Lê, trata-se de um ensinamento do meu mestre, que Deus tem, e que, como vês, eu escrevi aí e leio muitas vezes.

“Um dia fui com o ti’Zé à Ribeira para arrancarmos uma leirazita de batatas, no chão ao pé da represa da Cabeça Gorda. 

Passámos o alto da Chã e ao metermos para a ladeira do Machoso, deixámos o caminho e fomos pelo atalho do carreirito pelo meio do bastiço de pinheiros. 

Numa clareira, no meio dos pinheiros, de onde se não via o caminho de carro, o ti’Zé parou e disse-me:

Ouves os passaritos que andam a fazer os ninhos, e que mais?

Ouço o barulho dum carro que vai no caminho.

Muito bem, respondeu ele. E vai cheio ou vazio?

Ah! Isso não posso saber, não sou bruxo!

Nem é preciso, homem. Concentra-te bem e vais ver que sabes!... E apercebendo-se que eu não estava a chegar lá, acrescentou:

Vai vazio, homem!... Ora ouve com atenção!... Achas que se fosse cheio fazia aquele barulho todo? Quanto mais vazia for a carroça mais barulho faz, não te parece. E ficou calado a olhar para mim!...”

Um dia, já depois dele ter morrido, escrevi esse papel para, de vez em quando, o ler. 

E, sempre que oiço uma pessoa que fala muito, inoportuna, interrompendo todo o mundo, tenho a impressão de ouvir o meu mestre, dizendo-me:


Quanto mais vazia vai a carroça, maior é o barulho que faz!... 

E, voltando-se para a bigorna continuou a dar forma ao ferro que estava a malhar. 

Era assim o meu padrinho...

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