O Ti’Zé era um homem meticuloso, sério e
honrado no conceito das gentes do povo, amigo de ajudar e muito observador.
Não sabia ler nem escrever, nunca passara muito tempo fora, mas tinha boa memória e
falava, pausadamente.
Era ferreiro e ferrador para a terra e redondezas.
Havia um costume que cultivava desde
pequeno e por isso lhe chamavam, na terra, o doutor.
É que não deixava de
juntar um ensinamento sempre que contava qualquer história, ou resumia qualquer
facto, ou acção, que presenciasse, ou lhe chegasse aos ouvidos.
Era, o que o
povo diz, muito examinado!...
E eu junto: um grande mestre, pois foi com ele
que aprendi a caldear o ferro e a temperá-lo consoante a utilização que se lhe
quer dar. Um bico de arado não é uma ferradura duma besta.
Ao ver-me meio desnorteado com o rumo da
conversa, o meu padrinho, ferreiro na aldeia e um grande especialista na
fabricação de balanças romanas, que exportava para todo o país, aproveitou uma
pequena pausa e pegando num conjunto de papéis, de várias cores e tamanhos e na
sua maioria pouco limpos, catou uma folhita, bastante amarelecida e com sinais
de bastante manuseamento e estendeu-ma.
Lê, trata-se de um ensinamento do meu
mestre, que Deus tem, e que, como vês, eu escrevi aí e leio muitas vezes.
“Um dia fui com o ti’Zé à Ribeira para
arrancarmos uma leirazita de batatas, no chão ao pé da represa da Cabeça Gorda.
Passámos o alto da Chã e ao metermos para a ladeira do Machoso, deixámos o
caminho e fomos pelo atalho do carreirito pelo meio do bastiço de pinheiros.
Numa
clareira, no meio dos pinheiros, de onde se não via o caminho de carro, o ti’Zé
parou e disse-me:
Ouves os passaritos que andam a fazer
os ninhos, e que mais?
Ouço o barulho dum carro que vai no
caminho.
Muito bem, respondeu ele. E vai cheio ou
vazio?
Ah! Isso não posso saber, não sou bruxo!
Nem é preciso, homem. Concentra-te bem e
vais ver que sabes!... E apercebendo-se que eu não estava a chegar lá,
acrescentou:
Vai vazio, homem!... Ora ouve com
atenção!... Achas que se fosse cheio fazia aquele barulho todo? Quanto mais
vazia for a carroça mais barulho faz, não te parece. E ficou calado a olhar
para mim!...”
Um dia, já depois dele ter morrido,
escrevi esse papel para, de vez em quando, o ler.
E, sempre que oiço uma pessoa
que fala muito, inoportuna, interrompendo todo o mundo, tenho a impressão de
ouvir o meu mestre, dizendo-me:
Quanto
mais vazia vai a carroça, maior é o barulho que faz!...
E, voltando-se para a bigorna continuou
a dar forma ao ferro que estava a malhar.
Era assim o meu padrinho...
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