sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O “Sete–Pêlos”

O “Sete-Pêlos” – tinha, como referiam os que o conheceram, três na testa e quatro na venta – era barbeiro na Amareleja e não deixava ninguém enrascado nem recusava um conselho a qualquer compadre que precisasse de ir a Lisboa, tratar fosse do que fosse.

Nunca tinha tido a desdita de pôr os pés na capital, mas pelo Almanaque e um velho Roteiro, com as folhas ratadas e a cair de podres, explicava qualquer destino dentro da cidade.

Recomendava percursos, transportes e até dava uma dica a quem quisesse comer uma bucha e provar umas boas pingas, nas quitandas dos galegos.

Sabia os nomes de todos os reis e rainhas de Portugal e os seus cognomes – o que, como dizia, já não era para todos – e a sua grande glória foi ter sido encarregado, pelo Cabo de Ordens de Safara, de receber o rei D. Carlos que um dia foi caçar para aqueles termos, acompanhado do príncipe D. Luís Filipe.

A caçada correu bem; as instalações improvisadas numa tenda montada com a ajuda dos criados do rei, lembravam um enorme arraial e o almoço – para o qual Sua Majestade convidara todo o povo – foi uma fartura de comes e bebes muito ao gosto daquelas gentes.

Nos discursos, o “Sete-Pêlos” começou por agradecer a presença de Sua Majestade e lamentou que não tivesse vindo quinze dias antes para assistir à tourada que se realizara lá na terra.

Toiros de morte, como fazem lá em Barrancos, que certamente também o Vosso filho, e nosso futuro, rei teria apreciado.

E, depois de alguma desorientação e tremura de voz – aliás pouco habitual no compadre barbeiro -, voltando-se para o príncipe, que não sabia como intitular, exclamou:

É uma festa sem par, que se faz aqui na nossa terra desde que o mundo é mundo; temos a certeza de que gostaria muito de ter estado presente com o seu paizinho. Temos muita pena que tenha faltado, pois…

Olhe, não sei que mais lhe diga a não ser:

Se Vossa Alteza Real cá tivesse estado há quinze dias, como Vossa Futura Majestade cá está hoje e onde Vossa Excelência voltará, quando quiser, Vossa Senhoria teria apreciado, pois Você veria, o que Tu nunca viste. 


Esta última parte do discurso que foi lida de um papel que o compadre barbeiro, no fim da leitura dobrou, cuidadosamente, e guardou no bolso da jaqueta, mereceu honras de abertura do discurso de D. Carlos que pediu ao orador antecedente se fazia o favor de lhe oferecer o papel que tinha acabado de ler, acrescentando:

SeTu pudesses ter estudado, como Você não pôde, teria Vossa Senhoria chegado junto de Sua Excelência e, quem sabe, andado por perto da Futura Majestade, nos paços de Sua Alteza Real.

Sem comentários: