segunda-feira, 7 de maio de 2012

As coisas simples

Nasci e cresci numa época e num lugar onde havia coisas simples para fazer e as pessoas faziam-nas: porque gostavam de fazê-las, porque queriam fazê-las, ou porque precisavam de fazê-las.

Hoje não há tantas coisas simples para fazer, talvez porque as pessoas não pensam simples, não fazem simples e não vivem simples, porque: não as deixam ser simples, não podem ser simples e não gostam de ser simples.

Porém, cuidado com a semântica: É que ser simples, fazer simples e cultivar o simples, não tem nada a ver com ser primário, fazer com simplicidade, ou agir com facilitismo.

Simples já terá sido sinónimo de fácil, básico, digamos mesmo intuitivo; mas já não é, até pela simples razão que nunca foi. 

Mas, também, porque não queremos que seja.

Cada vez que uma nova personagem da gente simples, do mundo que vou descobrindo se mostra à luz do dia e se vai, progressivamente, destapando, porque pensa tirar proveito disso ou julga beneficiar alguém com tal aparição, descubro que me afasto do fácil, do linear e do básico. 

É que a gente simples tem genealogia e foi, por natureza prolíptica (produtora, reprodutiva, multiplicadora, expansionista). 

Está presa por muitos elos, porque tem poucos preconceitos sociais, pode parar a todo o momento, alhear-se, desprender-se. 

Numa palavra: consegue estar mais perto do trivial, do essencial, do bruto e informe – base de tudo o que se constrói, mas não, propriamente, construtor de coisa alguma.

O jardineiro de hoje já não se compara ao Ti’João: limita-se a seleccionar e plantar as flores. 

Não desmata, não surriba, não loteia as terras, não estruma, não irriga. Olha para o papel e faz o que o arquitecto paisagista criou no seu desenho. Se uma flor não vingou, pede outra aos viveiros. Já não vai, logo pela manhã, vê-las abrirem-se aos primeiros raios de sol.

Quem se preocupa, ou se interroga se será mais higiénica e salubre a água da garrafa de plástico, ou a das bilhas vindas de Belas, dentro dos ceirões, sobre o lombo dos burros?

Serão mais salutares os bolos e guloseimas dos balcões das pastelarias de hoje, ou as bolas de Berlim e os bolos de arroz que a senhora da cesta vendia num recanto do jardim ou à porta da escola? 

Estes têm simulacro de farinha, componentes químicos substitutos de açúcar, extractos de ovos e glúten corrigidos, gorduras codificadas e um número indeterminado de ingredientes que o vulgo dos utentes desconhece. 

Ah! E têm prazo de validade. 

Os outros tinham farinha, ovos, açúcar, fermento e leite. E, com esta simples panóplia e as respectivas variações de quantidades, faziam-se imensas variedades. 

Salvaguarde-se, todavia, que as embalagens dos de antanho teriam de ser melhoradas para salvaguarda e garantia da higiene, ela também pilar essencial da saúde alimentar. 

Todavia, na essência, eram mais simples.


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