terça-feira, 29 de maio de 2012

Cartilha Maternal



João de Deus, de quem o povo ignorou os apelidos “de Nogueira Ramos”, cuja Cartilha Maternal ensinou a língua portuguesa, durante décadas, à generalidade dos alunos das nossas escolas, teria sido elevado ao nível dos grandes pedagogos (Decroly, E.Planchard, Pestallozy, M. Montessori), se, como eles, tivesse vivido nos centros culturais da Europa.


A par, e como corolário de uma valiosa obra poética, em que a simplicidade e o amor foram glosados com exímio trato de palavras e sentimentos, granjeando-lhe, muito justamente, o epíteto de poeta do amor, que os seus pares lhe atribuíram, João de Deus, soube, como ninguém, interpretar as necessidades das escolas, vindo a desenvolver um método global de ensino da leitura, com a publicação da sua Cartilha Maternal, em 1876, que nos cinquenta anos seguintes seria a obra mais vezes reimpressa em Portugal. 

Após a descrença do Método Português de Castilho, e numa época em que se discutia, acaloradamente, nas Cortes portuguesas se o Livro de Leitura deveria ser “Os Lusíadas” ou o “Dom Jaime”, João de Deus envolveu-se nas campanhas de alfabetização, baseadas na aplicação da sua Cartilha Maternal, que escreveu por proposta de um grupo de amigos e uma editora portuense, que lhe pediram “um método de leitura dedicado às crianças”. 

Em 1888, doze anos depois de publicada, a Cartilha Maternal foi adoptada como “método oficial de leitura” e João de Deus nomeado, vitaliciamente, “Comissário Geral do Ensino da Leitura”, com uma pensão anual de 900$000 réis. 

Todavia, em 1882, seis anos após a publicação da Cartilha Maternal, e seis anos antes da sua adopção oficial, alguns amigos de João de Deus, encabeçados por Casimiro Freire, lançaram a “Associação das Escolas Móveis pelo Método de João de Deus”. 

Entre os apoiantes incondicionais de João de Deus, destacaram-se, para além dos amigos e ex-condiscípulos dos tempos de Coimbra - Teófilo Braga e Antero de Quental -, o citado Casimiro Freire, tendo Alexandre Herculano e Adolfo Coelho, junto com os principais intelectuais da época, saudado a Cartilha Maternal como “Obra utilíssima e genial”. 

Em 1895, durante uma grande manifestação nacional, alegadamente iniciativa dos actuais e ex-estudantes de Coimbra, a que se quis associar o rei D. Carlos, foi-lhe proposto um título nobiliárquico e foi-lhe imposta a Grã Cruz da Ordem de Santiago da Espada. 

Foi ainda proclamado Sócio de Honra pela Academia Real das Ciências. 

Ficou célebre a resposta que deu, num brilhante improviso, repassado de singeleza, humildade e sentido poético, aos muitos estudantes que, espontaneamente, o homenageavam:


Estas honras e este culto
Bem se podiam prestar
A homens de grande vulto.
Mas a mim, poeta inculto,
Espontâneo, popular…
É deveras singular!


Mas os estudantes não esqueceram João de Deus e, quando o seu filho João de Deus Ramos ingressou na Universidade de Coimbra, em vez da praxe dos caloiros, recebeu, em homenagem a seu pai, uma recepção apoteótica, com capas no chão, reservada pela praxe às figuras excepcionais. 

Em 1896, morreu, sendo-lhe dada morada ao lado das mais gradas figuras da vida nacional.

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