quarta-feira, 16 de maio de 2012

O Cardeal de Alpedrinha




A História de Portugal, como a de outros países, com uma tão rica e variada sucessão de acontecimentos, está recheada de figuras que nunca chegaram à ribalta e não são, habitualmente, referidas nos pequenos manuais de ensino não especializado, ou quando se ensinam os primeiros anos de escolaridade. 

Falaremos, neste breve apontamento, de D. Jorge da Costa, nascido, em 1406, na aldeia beirã de Alpedrinha – concelho do Fundão e terminando a sua vida de 102 anos, em Roma, onde ficou sepultado, em túmulo por ele mandado construir, na igreja do Pópulo. 

A sua vida estendeu-se por cinco reinados (D. João I, D. Duarte, D. Afonso V, D. João II e D. Manuel I), tendo, nos últimos três, sido figura de grande destaque junto da Santa Sé e da Cúria Romana. 

D. Afonso V escolheu-o para seu conselheiro e confessor e mestre da infanta Dª Catarina. Com D. JoãoII teve relações tensas e com  D. Manuel Inada de anormal se verificou. 

D. João II não conseguiu que a sua diplomacia se suplantasse a D. Jorge da Costa, que, a pedido da rainha Dª Leonor, moveu influências mais fortes que as do próprio rei, tornando infrutíferas as tentativas de legitimação de D. Jorge, filho bastardo do rei. 

Esta tentativa gorada, de legitimação do filho bastardo pela Santa Sé, levou o rei a fazer testamento a favor do primo D. Manuel, que viria a ser rei. 

Na Cúria, conviveu, de perto com os papas: 

Sisto IV (1471-1484, que o fez cardeal, em 1476); 

InocêncioVIII (1484-1492); 

Alexandre VI (1492-1503); Pio III (1503); e 

Júlio II (1503-1513) que foi nomeado após a renúncia de D. Jorge da Costa, cardeal mais votado no conclave). 

Foi apelidado de “fazedor de papas”, embora tivesse renunciado, quando pôde ser. 

Ao longo de mais de vinte e cinco anos em Roma, teve importância decisiva, entre outros, nos seguintes factos históricos:

Aprovação do Beneplácito Régio (D. João II); 

Posição de Portugal no Tratado de Tordesilhas e sua interpretação futura; 

Redacção e aprovação pontifícia do compromisso dado ao hospital das Caldas da Rainha, onde se preceituava que o “Provedor fosse homem discreto e virtuoso e não se queria que fosse nem frade, nem comendador, nem pessoa poderosa que passasse de cavaleiro para cima”; 

Foi de grande utilidade e influência para que Dª Beatriz chegasse a ser, durante 8 anos, governadora do Mestrado da Ordem de Cristo, antigos Templários, com todo o peso que o respectivo património, material, científico e técnico teve para que D. João II continuasse os Descobrimentos. 

Aquela nomeação, sem precedentes, de uma mulher para o cargo de Mestre de uma Ordem Militar, foi inédita e exigiu lei especial e específica, da Cúria Romana. 

Enumeramos alguns marcos mais significativos da tão profícua carreira eclesiástica de D. Jorge da Costa, e salientamos a facilidade com que se movia nos meandros da Cúria Romana, nos corredores do Vaticano e onde cheirasse a poder: 

1445 - Leccionva Latim, Filosofia e Teologia no Hospício de Santo Eloi, em Lisboa, quando D. Afonso V o escolheu para seu confessor e conselheiro e o nomeou mestre da Infanta Dª Catarina.

1463 – Por influência do Rei, é nomeado Bispo de Évora e Regente do reino, na ausência do Rei. 

1464 – Transferido para Arcebispo de Lisboa. 

1471 – Acompanhou D. Afonso V, como conselheiro/confessor em várias campanhas. 

1476 – Por influência do Rei, é feito Cardeal pelo papa Sisto IV. 

1475 – Frei Nicolau Vieira, Abade de Alcobaça, renunciou, nele, a Abadia. Obteve, ainda, a Abadia de S. João de Tarouca e os Priorados do Crato e de Guimarães. 

1479 – Eleito governador da Universidade de Lisboa. 

1480 – Um ano antes da morte de D. Afonso V, ausentou-se para Roma, onde se instalou e conseguiu posição influente na Cúria, devido aos dotes de Conselheiro, com elevadíssima cultura e saber e à sua condição de um dos mais ricos príncipes da Igreja. 

1485 – Apesar das relações tensas com D. João II, conseguiu a acumulação do Arcebispado de Lisboa com o Arcebispado de Braga. O Cardeal condenou a política ultra-centralizadora e os ataques à Nobreza, levados a cabo por D. João II. 

1488 – Renunciou ao Arcebispado de Braga a favor do seu meio-irmão, homónimo, D. Jorge da Costa que, por sua morte, em 1501, o devolve, de novo, ao irmão cardeal. 

1500 – Renunciou ao Arcebispado de Lisboa, a favor de seu irmão D. Martinho da Costa, com reserva de 3.000 cruzados anuais. 

1505 – Repetiu a renúncia do Arcebispado de Braga, reservando uma pensão anual, vitalícia, de 4.000 cruzados, que o novo Arcebispo, D. Diogo de Sousa, lhe pagou, integralmente. 

1509 – Morreu em Roma e foi sepultado, em túmulo próprio, na igreja do Pópulo. 

Até à sua morte, com 102 anos, dispôs:

Em Portugal, como comendatário, de 7 Abadias Beneditinas, 6 Abadias Cistercienses, 10 Priorados de Cónegos Regrantes e 7 Deados. 

Em Espanha, do Deado e Chantrado de Burgos e de 1 Abadia em Navarra. 

Em Veneza, 1 Abadia. 

Em Roma ocupou, sucessivamente os títulos cardinalícios de S. Marcelino e S. Pedro, de S.Lourenço, em Lucina e de Santa Maria, em Trastevere, bem como as dioceses suburbicárias de Albano (1491-1501), Frascati (1501-1503) e Porto Santa-Rufina (1503-1505). 

Ocupou e desfrutou, simultaneamente, de mais de 200 cargos eclesiásticos. 

Em Portugal foi titular da maioria dos bispados, mas não se quis chamar Cardeal de Évora , de Coimbra, nem mesmo de Lisboa. Somente Cardeal de Alpedrinha, ou Cardeal de Portugal, como consta no epitáfio do seu túmulo. 

D. Manuel I quis que voltasse ao reino, mas sem êxito. 

O Papa Leão X concedeu ao Rei de Portugal os avultados bens do Cardeal, para ajuda nas despesas contra os infiéis. 

Protegeu e beneficiou seus irmãos e irmãs, com cargos, títulos e dotes que proporcionaram casamentos convenientes. Foi, por isso, criticado pelos seus detractores. 

Porém, a sua obra extensa e sempre em favor do seu País, supera a da grande maioria dos seus contemporâneos e a grande influência da sua acção junto da Santa Sé, enquanto preparava, com Dª Leonor, a criação das Misericórdias, conseguindo que a Instituição Santa Casa da Misericórdia de Lisboa tivesse o reconhecimento do Papa, teria bastado para imortalizar este beirão que: 

”Foi um português que não coube em Portugal, mas que teve sempre Portugal no coração”.

Sem comentários: