segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Os meus amigos


Ouvi, há tempos, uma palestra sobre “amizade e vizinhança”, em que Ápio Sotomayor, ulissipólogo e estudioso das pequenas/grandes coisas da Sociologia, lamentava o estado, de quase desuso, em que vêm caindo as relações de amizade, entre vizinhos.

A televisão, a segurança nas ruas, o ritmo da vida e a falta de disposição a que conduzem os problemas e dificuldades no dia-a-dia, são, dizem os sociólogos, alguns dos factores do afastamento, isolamento e capsulação das pessoas. 

Porém, em todos os tempos, estes problemas foram tratados e comentados por consagrados autores. Com recorte e enquadramento social a mais de um século de distância, cremos que vale a pena reler este soneto de Camilo e atentar na sua actualidade. 

Encontrámo-lo publicado, como texto de leitura, num livro de Língua Portuguesa em uso nas ex – Escolas Técnicas: 

Os meus amigos 

Amigos cento e dez e talvez mais, 
Eu já contei! Vaidades que eu sentia! 
Pensei que sobre a terra não havia 
Mais ditoso mortal entre os mortais. 

Amigos cento e dez, tão serviçais, 
Tão zelosos da lei da cortesia, 
Que eu já farto de os ver, me escapulia 
Às suas curvaturas vertebrais. 

Um dia adoeci profundamente, 
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente 
Que não desfez os laços quase rotos. 

Que vamos nós (diziam) lá fazer, 
Se ele está cego, não nos pode ver... 
Que cento e nove impávidos marotos... 

                              Camilo Castelo Branco 
(Ao amigo JCG, na passagem do seu 70º aniversário)

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