Quando o Ti' João do Cerro do Outeiro aparecia, ao domingo, à saída da missa, no adro da igreja, ou ia até uma das tabernas à fala com alguém, era certo e sabido que procurava trabalho -- uma mina para fazer, ou mesmo um poço.
Ali, onde o viam, com pouco mais de metro e sessenta de altura e não mais de sessenta quilos, escondia-se um verdadeiro artista.
Fazia, como os melhores, uma mina por baixo de um monte ou a partir do fundo de um poço.
Uma galeria de 30 ou 40 metros, feita por ele, sem régua, esquadro, ou qualquer outro instrumento, saía, rigorosamente recta, com uma altura constante e um declive de menos de um palmo, naquele comprimento todo.
Lembro-me das explicações que me dava, com muito carinho, antes de fechar os olhos na hora da sesta, quando trabalhava para meu pai, numa das minas dos Brejos: "aprendi, com os mestres, lá na Barroca Grande - minas da Panasqueira -, onde trabalhei até ser reformado por causa do pó nos pulmões". Soube, mais tarde, que a essa doença profissional dos mineiros se chama silicose.
O Ti'João continuava: "o que nos dá a direcção é a sombra da luz que entra na boca da mina, ou da luz do gasómetro que penduramos no centro do tecto. Nunca cavamos na sombra, nem deixamos pontas alumiadas; assim vai a direito. Quanto à altura, usamos a nossa "caneta", que é, a nossa ferramenta de trabalho -- a picareta.
Colocamos a ponta do cabo no queixo e a altura do tecto é a outra ponta do cabo da picareta. O desnível do chão é regulado pelo tecto, uma vez que a altura é sempre a mesma.
Sabemos se o tecto está plano com ajuda da luz, tal como lhe disse para os lados; a largura é o cabo da picareta mais um palmo"... "Como vê, menino, não custa nada e se calhar o paizinho já não vai precisar do velho, para fazer outras minas"...
Recordo, como se estivesse a vê-lo, a satisfação do Ti'João ao permitir-se ter comigo um dos poucos sorrisos que a dura vida, que levava, não devia proporcionar-lhe amiúde.
E, Ti'João, ao ler a notícia sobre o erro de cálculo dos engenheiros, na galeria do "Metro", indo parar a local diferente do previsto, lembrei-me de si, dos parcos escudos que levava aos fins de semana para casa, para sustento da mulher e dos seus cinco filhos e.... de quantos artistas como o senhor, que podiam ter ido muito mais longe!...
Bem-haja... Ti'João!...
Ah! O Cerro ainda lá está, só que agora, sem ninguém!....
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