quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cinema na aldeia


Chegaram à aldeia duas carroças, com umas caixas de lata e uns homens que gritavam, com um funil grande, de lata, à frente da boca, que haveria cinema, na cabana do Ti’Artur, depois do sol-posto. 

Tirou-se a carroça e deu-se uma arrumação no cabanal, espalharam-se uns feixes de palha no chão e estendeu-se, pendurado numa vara colocada sobre o portão das traseiras, uma coisa parecida com um lençol, mas maior e mais branca. 

Atrás do portão, meio fechado, estava uma mesa com uma máquina que tinha duas grandes rodas de lata, uma por cima da outra. 

Já na rua, encostada ao algrebe, pôs-se outra mesa, com um motor em cima, de onde saíam uns fios que entravam pela janela; uns iam para a máquina e outros, com umas coisas de vidro, parecidas com peras, foram pendurados no cabanal. 

Lembro-me de meu pai me dizer que já vira cinema, quando esteve na tropa e meu avô, quando foi a Lisboa ver a minha tia que estava no Hospital das crianças. 

Minha mãe e minha avó, tal como eu, nunca tinham visto. Aproveitamos o desconto de dez tostões – o homem fazia cinco mil réis pelos quatro lugares e a criança era de graça –, levámos um mocho, duas tripeças e uma cadeirita, para o meu avô, e fomos dos primeiros a chegar. Porém, fomos informados que quanto mais longe do ecrã melhor se via e, por isso, sentámo-nos logo à entrada da cabana. 

Quando o motor começou a trabalhar acenderam-se as peras de vidro e moveram-se as rodas da máquina. 

A cabana ficou muito alumiada – parecia de dia – e, muitos como eu – que teria 3 ou quatro anos –, minha mãe e minha avó, acabávamos de ver luz eléctrica, pela primeira vez. 

O homem ligou a máquina, apagou a luz e moveram-se, no lençol pendurado, uns homens, a cavalo, aos tiros uns aos outros e a fugir muito, para trás duns penedos grandes. 

Ouviu-se um oh!... de espanto, logo interrompido, porque passados momentos, as figuras desapareceram e ouviu-se o homem dizer: partiu-se a fita. É só um minuto. 

Aquele cinema começou e acabou várias vezes. Veio depois o segundo que não parou do princípio ao fim. A fita nunca se partiu. 

Era o “Bucha e Estica” e todos os presentes apertavam a barriga, pois nunca deviam ter rido tanto na vida. Podem não ter percebido tudo, mas riram a bom rir das paródias. 

Acabaram por dar por bem empregues os quinze tostões do bilhete e mesmo um militar e um pedreiro que trabalhava em Lisboa – entendidos nessas coisas, disseram bem do cinema, que acabou por ser repetido no dia seguinte.

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