Recordamos, hoje, um Livro de
Leituras das velhas Quarta e Quinta Classes – o do Prof. Ulysses Machado – que
foi aprovado, oficialmente, no Diário do Governo de 30 de Janeiro de 1922 e,
trinta anos depois, ainda dele lemos textos e fizemos ditados.
Refere, esta 12ª edição, a
ilustração da obra com 146 gravuras e dela realçamos, nesta folha solta, dois
pequenos grandes pormenores: inicia-se o livro com um pequeno texto do Mestre
Cândido de Figueiredo, intitulado “Vantagens
do ler”, em que se faz a apologia da leitura e cujo último parágrafo,
transcrevemos: “Habituai-vos, a ler bem, a ler bons
livros, se quereis preparar uma existência honrada e cómoda, e ter direito à
estima e ao louvor de toda a gente de bem.” 
Transcrevemos, sem comentários,
deste Livro de Leituras, a história de “O
velho, o rapaz e o burro”, com que o Mestre e Poeta Curvo Semedo nos
delicia:
| 
 I 
O
  mundo ralha de tudo, 
Tenha
  ou não tenha razão; 
Quero
  contar uma história 
Em
  prova desta asserção. | 
VII 
Apeiam-se
  e outros lhe dizem: 
-
  Toleirões, calcando a lama! 
De
  que lhes serve o burrinho? 
Dormem
  com ele na cama? | 
 XIII 
Pegam
  no burro; o bom velho 
Pelas
  mãos o ergue do chão; 
Pega-lhe
  o rapaz nas pernas 
E
  assim caminhando vão. | 
| 
 II 
Partia
  um velho campónio, 
Do
  seu monte ao povoado; 
Levando
  um neto que tinha, 
No
  seu burrinho montado. | 
VIII 
-
  Rapaz – diz o bom do velho 
-
  Se de irmos a pé murmuram, 
Ambos
  no burro montemos, 
A
  ver se ‘inda nos censuram. | 
 XIV 
-
  Olhem dois loucos varridos! 
Ouvem
  com grande sussurro, 
-
  Fazendo o mundo às avessas, 
Tornados
  burros do burro! | 
| 
 III 
Encontra
  uns homens que dizem: 
-
  Olha aquele que tal é ! 
Montado
  o rapaz que é forte, 
E
  o velho trôpego a pé. 
 IV 
-Tapemos
  a boca ao mundo - 
O
  velho disse – rapaz, 
Desce
  do burro, que eu monto, 
E
  vem caminhando atrás. 
V  
Monta-se,
  mas dizer ouve: 
-
  Que patetice tão rata ! 
O
  tamanhão de burrinho, 
E
  o pobre pequeno à pata! 
VI 
-
  Eu me apeio – diz prudente 
O
  velho de boa fé – 
Vá
  o burro sem carrego, 
E
  vamos ambos a pé. | 
IX 
Montam,
  mas ouvem de um lado: 
-
  Apeiem-se, almas de breu! 
Querem
  matar o burrinho? 
Aposto
  que não é seu! 
X 
-
  Vamos ao chão – diz o velho 
-
  Já não sei que hei-de fazer! 
O
  mundo está de tal sorte, 
Que
  não se pode entender. 
XI 
É
  mau, se monto no burro,               
Se
  o rapaz monta, mau é, 
Se
  ambos montamos, é mau, 
E
  é mau, se vamos a pé! 
 XII 
De
  tudo me têm ralhado; 
Agora
  que mais nos resta? 
Peguemos
  no burro às costas                  
Façamos
  ‘inda mais esta!                                                    | 
XV 
O
  velho então pára e exclama: 
-
  Do que observo me confundo! 
Por
  mais que a gente se mate, 
Nunca
  tapa a boca ao mundo. 
 XVI 
Rapaz,
  vamos como dantes, 
Sirva-nos
  estas lições; 
É
  mais que tolo quem dá 
Ao
  mundo satisfações. 
       Curvo Semedo | 

 





